Entrevista: Felipe Nicodemos Semaan – Fisioterapia, RPG e Hidroterapia

Felipe Nicodemos Semaan é fisioterapeuta formado em 2003, pela Universidade Cidade de São Paulo, com pós-graduação em Fisioterapia Ortopédica, também na UNICID. É ex-professor de Biomecânica e proprietário- fundador da clínica Fisiocorpus, desde 2005.
A Fisiocorpus é uma clínica de fisioterapia e hidroterapia que como objetivo assistir aos pacientes utilizando-se dos meios mais efetivos e inovadores.

Lá, o paciente encontra fisioterapia, claro, mas também hidroterapia, hidroterapia em neuropediatria, fisioterapia pélvica, fisioterapia buco maxilo facial, RPG (Reeducação Postural Global), pilates, treinamento do core e condicionamento físico.

Nesta entrevista, Felipe Semaan falou sobre as diferenças das especialidades, clareando ao paciente quais a melhores formas de abordagem com relação às dores de coluna, além de dicas sobre intensidade de atividades físicas.

Se a pessoa tem dores na coluna, qual o critério e como escolher entre fisioterapia, RPG ou hidroterapia? Posso fazer duas ao mesmo tempo?

Na verdade, fisioterapia é a especialidade dentro da área da saúde voltada para a reabilitação de alterações e lesões motoras, que podem ser de fundo ortopédico, neurológico, reumatológico entre outros.

A fisioterapia possui ferramentas de atuação, entre elas a hidroterapia e o RPG. Convencionou-se denominar fisioterapia o tratamento com eletroterapia (o famoso “choquinho”), mas é uma denominação equivocada.

Então, o critério para escolher qual recurso fisioterapêutico será utilizado é basicamente os sintomas e condições físicas do paciente. No caso dos pacientes com dores na coluna, utilizamos a hidroterapia naqueles com quadros agudos mais intensos, com comprometimento discal e irradiação da dor para os membros superiores ou inferiores. Isso porque a água diminui o peso sobre as estruturas da coluna vertebral, possibilitando ao paciente a realização de manobras e exercícios com maior segurança.

Quando identificamos que a queixa dolorosa vem de um possível problema postural, aí o RPG passa a ser uma opção de escolha. É uma técnica específica para melhorar alterações posturais.

E, sim, é possível associar as duas simultaneamente, sempre de acordo com o caso do paciente e também com a recomendação e avaliação médicas.

Para um leigo, quais as diferenças entre os três?

Como disse, fisioterapia é a especialidade da área da saúde voltada a reabilitação de alterações motoras.

Como ferramentas mais utilizadas para o tratamento de dores na coluna, temos as terapias manuais (manipulações articular, liberação miofascial, terapia neural, alongamento entre outros), cinesioterapia (técnicas de alongamento, fortalecimento e treino proprioceptivo) eletrotermoterapia (aparelhos com função analgésica, anti-inflamatória e de relaxamento muscular), técnicas de tratamento postural (RPG, GDS entre outros) e a hidroterapia.

No RPG, o paciente é colocado em posições específicas com o objetivo de alongar as cadeias musculares (sequência de músculos interligados pelas fáscias) e fortalecer os músculos posturais.

Já na hidroterapia são realizadas manobras de tração, alongamento e exercícios de postura e força com a ajuda da água, graças aos efeitos da flutuação e do relaxamento muscular promovido pela água quente.

fisioterapia-fisiocorpus

Após uma cirurgia de coluna, qual dessas o paciente deve optar?

Isso muda de acordo com qual procedimento cirúrgico foi realizado. De maneira geral, logo após a cirurgia, a reabilitação começa com um trabalho em solo, com o objetivo de diminuir as dores pós-cirúrgicas e ganho de amplitude de movimento.

Posteriormente, começa o trabalho de fortalecimento, treino das funções diárias e transição para a prática de atividades físicas.
Porém, esses objetivos também podem ser alcançados na hidroterapia. Caso logo após a cirurgia o paciente apresente dor mais intensa e maior dificuldade de movimentação, a hidroterapia passa a ser a primeira opção de escolha.

Mas essas indicações são sempre discutidas com o médico responsável.

Já O RPG é mais indicado na fase final da reabilitação, pois se trata de uma sessão com alongamentos e posições de fortalecimento mais elaboradas que não são indicados no começo da reabilitação.

Pilates ou ioga são boas opções para dores na coluna?

Apesar de ser muito comum vermos pacientes procurando essas técnicas para o tratamento de dor na coluna ou até mesmo profissionais oferecendo esses benefícios com esses recursos, nenhuma delas foi inventada com esse propósito.

As duas são técnicas de condicionamento físico e melhora da capacidade física e não para o tratamento de dores ou lesões na coluna.
A indicação de yoga ou pilates para um indivíduo com dor na coluna vertebral só pode ser feita após avaliação médica e do fisioterapeuta.

Quando e em qual situação RPG, hidroterapia ou pilates não são recomendáveis?

As contraindicações para esses tratamentos são basicamente quando não se sabe o motivo pelo qual o paciente está sentindo aquele sintoma. Isso só vai ser esclarecido após a consulta médica.

Existem uns sinais chamados de Red Flags que indicam maior gravidade da patologia da coluna vertebral. Entre esses sinais estão perda de força muscular e sensibilidade no membro acometido, perda de reflexos e perda do controle esfincteriano.

Esses sintomas contraindicam a realização de fisioterapia antes da avaliação médica para se identificar quais as causas.

No dia a dia, que tipo de atitude a pessoa tem que ter para não vir a ter dores na coluna?

As queixas de coluna estão na sua maioria relacionados aos maus hábitos de uma vida sedentária. Então, a falta de atividade física (tanto exercícios aeróbicos como também exercícios com carga e alongamentos), má alimentação, levando a sobrepeso, qualidade do sono ruim (é a noite que nossa coluna descansa), posturas viciosas no trabalho e até mesmo estresse físico e emocional aumentam a chance do indivíduo desenvolver dores na coluna.

O excesso de atividade esportiva pode ser prejudicial? Como chegar a essa nota de corte? Nessa mesma linha, os “atletas de final de semana” precisam tomar que tipo de cuidado para não sobrecarregar a coluna?

Todo excesso é prejudicial, tanto o excesso de exercício quanto a falta dele. Todo exercício físico, quando praticado com o objetivo de qualidade de vida, é benéfico para nosso corpo.

Agora, quando praticamos alguma atividade pensando em performance ou em competição, todo exercício pode causar dor ou lesão.

Então, quando se pratica algum esporte pensando em performance já se sabe que o indivíduo está exposto a se lesionar, não só na coluna.
Alguns sinais, como alteração de sono, dor muscular intensa, diminuição das suas capacidades funcionais, podem indicar que está se ultrapassando o limite.

O ideal é associar uma prática esportiva que traga prazer para o praticante, que promova treino aeróbico e associar com outra que tenha um treino com carga, de preferência acompanhado por um profissional e sob os cuidados do médico e do fisioterapeuta.

A alimentação influencia nos problemas de postura?
Não se sabe ainda se alguns alimentos interferem diretamente na coluna ou na postura. Mas sabemos que dietas muito calóricas associadas à pouca atividade física levam a sobrepeso, o que aumenta o risco de dor na coluna.

Estenose do canal vertebral: uma máquina complexa em tempos modernos

Na cena mais famosa de “Tempos Modernos”, filme de 1936, de Charles Chaplin, o personagem do ator tenta acompanhar a eficiência da esteira mecânica da fábrica e parafusar na velocidade em que ela oferece os produtos para serem parafusados. Chaplin é engolido pela máquina e passa a percorrer incrédulo o engenhoso mecanismo por dentro.

Nosso canal vertebral é mais ou menos como essa máquina. Ele pode ser entendido como um longo tubo composto de ossos, ligamentos, parte dos discos intervertebrais, que se estende desde a base do crânio até a bacia e tem por função a proteção da medula espinhal e de suas raízes nervosas emergentes.

Nosso corpo é uma máquina de engenharia sem precedentes, como se vê. Mas ele cansa e nem sempre consegue acompanhar todas as exigências do nosso cotidiano.

A estenose é a redução do calibre ou estreitamento do canal vertebral e pode ocorrer em diversas situações: fraturas, tumores, hematomas, abscessos, deformidades da coluna vertebral, além de doenças degenerativas das articulações, que são as causas mais frequentes.

Desgaste

Na década de 70, Kirkaldy-Willis demonstraram que as articulações da coluna vertebrada sofrem um processo de desgaste a partir da segunda década de vida do indivíduo.

O desgaste avançará ao longo da vida, produzindo alterações nos discos intervertebrais, nas articulações facetárias e nos ligamentos e cápsulas articulares responsáveis pela estabilização da coluna vertebral.

É como se a ciência tivesse dado uma de Chaplin e entrado no canal vertebral, esse longo tubo que nos sustenta, e visse por dentro o que pode causar tanta dor.

Tais alterações degenerativas são conhecidas como artrose ou espondilose.

Elas geram calcificações, hipertrofia óssea das articulações facetárias, abaulamento de disco (a hérnia de disco) e frouxidão articular (espondilolistese), promovendo a diminuição do canal vertebral e consequente compressão de estruturas neurais ali localizadas. Dor.


Imagem mostrando abaulamento do disco vertebral e hipertrofia ligamentar, ambos gerando estreitamento do canal vertebral e consequente compressão de raízes nervosas

Sintomas da estenose de canal vertebral

Clinicamente, os pacientes portadores de estenose de canal vertebral iniciam seus sintomas por volta da quinta ou sexta década de vida.

Eles apresentam dor no segmento vertebral acometido.

Pode ser uma cervicalgia (o nome genérico para qualquer dor na coluna cervical) ou lombalgia (dor na região lombar, na região mais baixa da coluna, perto da bacia).

Pode ser dor em membro(s) superior(es) e/ou inferior(es), com perda de força e de sensibilidade, um quadro conhecido como claudicação neurogênica, no qual a pessoa apresenta dor glútea e dificuldade de caminhar por longos períodos, muitas vezes necessitando sentar-se com o tronco de maneira inclinada para frente, para conseguir algum alívio. Afinal, ninguém quer viver com dor.

Alguns poucos indivíduos se queixarão de alterações no controle da urina, e outros da evacuação (associados ou não, a sensações de choques ao longo da coluna vertebral), mas são casos raros, e quase sempre relacionados a compressões neurológicas graves.

Para diagnosticar e tratar

É claro que o profissional médico não precisa dar uma de Chaplin e entrar no canal vertebral do paciente.

Para o diagnóstico de estenose do canal vertebral é necessária uma história clínica detalhada, associada à realização de exame físico e exames de imagem: radiografias, tomografia e a ressonância nuclear magnética.

Já o tratamento depende das queixas apresentadas pelos pacientes.

Aqueles com sintomas leves poderão se beneficiar com atividades de fortalecimento e alongamento da musculatura estabilizadora da coluna vertebral, além de meios físicos (calor local, eletroestimulação transcutânea, radiofrequência, entre outros), fisioterapia, acupuntura etc.

Entretanto, sintomas mais exuberantes (alterações neurológicas ou do controle dos esfíncteres) necessitarão de abordagem cirúrgica para descompressão do canal vertebral e consequente alívio das estruturas neurais.

Ainda bem que essa máquina tão complexa que é o nosso corpo já tem à disposição o conhecimento, as técnicas e as intervenções médicas dos tempos modernos que vivemos.

Espondilolistese Ístmica: o Panamá e a nossa coluna vertebral

O Canal do Panamá começou a ser construído em 1880, pelos franceses, que logo abandonaram o projeto, pela complexidade e pelo alto índice de óbitos entre os trabalhadores. Os Estados Unidos, então, assumiram a construção em 1904 e dez anos depois, em 15 de agosto de 1914, inauguraram o canal. E o que nos liga à espondilolistese ístmica?

O termo “ístmica” vem de “istmo”, uma estreita porção de terra que separa dois mares. E o melhor exemplo é o Istmo do Panamá, que separa o Oceano Pacífico do Mar do Caribe.

Neste istmo, fracionado pelas mãos engenhosas do homem, diminuindo sobremaneira o tempo e o custo de atravessar de um lado a outro do planeta, o que resultou em um comércio internacional mais barato e mais rápido, há a melhor simbologia para esse distúrbio.

A palavra “espondilolistese” tem origem grega (“spondilos”, vértebra, e “olisthesis”, luxação) e significa escorregamento vertebral.

É um distúrbio que pode ser dividido em seis tipos: displásica, ístmica ou lítica, degenerativa, traumática, patológica e pós-cirúrgica.

O mais comum é a forma ístmica, que acomete a 5° vértebra lombar em 95% dos casos.

Microfraturas

Na sua fisiopatologia, ocorre um defeito na pars interarticularis (parte da vértebra responsável pela estabilização de um segmento entre dois ossos), às custas de uma fratura de estresse ou por trauma agudo ou, ainda, alongamento do ístmico, em razão da remodelação óssea após microfraturas repetidas.

O tempo vai abrindo um “canal” na nossa vértebra, assim como as engenhosas mentes o fizeram no Istmo do Panamá, mais de cem anos atrás. Mas se naquele país da América Central, as “microfraturas” feitas pelo homem foram algo benéfico, na nossa vértebra é um problema.

Detectando a espondilolistese

A doença surge em geral na segunda década de vida e tem relação com o estirão do crescimento – período de ganho acelerado de estatura.

Os pacientes podem se apresentar assintomáticos. Mas podem também se queixar de dor predominantemente lombar.

Nos adultos, além de dor lombar, pode haver dor na perna, em geral, por estiramento ou compressão de raízes nervosas espinhais.

A consulta e o exame físico podem trazer suspeição da patologia.

Entretanto, as imagens radiográficas e tomográficas e de ressonância magnética são fundamentais para um correto diagnóstico.

Tratamento

A maioria dos autores concordam que os adolescentes devam ser tratados clinicamente, reservando as cirurgias para casos graves, sobretudo quando houver presença de alteração neurológica.

Já os adultos podem se beneficiar de tratamento clinico, como analgésicos, fisioterapias e fortalecimento e alongamentos musculares.

Contudo, os casos refratários serão melhor beneficiados com a cirurgia.

O objetivo é a descompressão de estruturas neurais e a fixação vertebral para estabilização da coluna e correção da deformidade.

Com a atenção de um profissional capacitado, com a detecção correta, o tratamento adequado, há a possibilidade de apenas lembrar Lulu Santos, que canta: “Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa, tudo sempre passará / A vida vem em ondas / Como um mar / Num indo e vindo infinito”.

Que os istmos nos sirvam como no Panamá: um indo e vindo infinito de navios a alimentar a humanidade.