Ose e Ite: a espondilodiscite

A língua portuguesa parece bastante complicada aos não-falantes nativos (os que possuem outra língua-mãe), mas para nós, os brasileiros, portugueses, angolanos, moçambicanos etc ela faz muito sentido em todos os detalhes. São quase 300 milhões de falantes, mais da metade deles no Brasil (até já falamos sobre isso aqui).

Além de belas palavras, como “amor”, “saudade”, “caramba”, “inconstitucionalissimamente” e outras, o brasileiro sabe muito bem o momento certo para usar seus sufixos, como os diminutivos terminados em “inho” – que pode ser em tom carinhoso, depreciativo, relativo a pequenas quantidades e muito mais.

O sufixo é, segundo o dicionário Oxford, “um afixo que, posposto a uma raiz, radical, tema ou palavra, produz formas flexionadas ou derivadas”.

Oses e Ites

Vamos ao exemplo da medicina.

Na linguagem médica, o sufixo “ose” indica uma doença não inflamatória, como artrose, por exemplo, ou um desgaste, como a espondilose.

Já o sufixo “ite” indica, de forma simplória, alguma inflação.

Espondilodiscite

Enquanto a espondilose é um termo genérico para desgastes na coluna, a espondilodiscite é a inflamação decorrente de uma infecção do disco intervertebral e das vertebras adjacentes.

Pode atingir indivíduos em qualquer faixa etária. Mas é uma condição incomum, rara, que atinge 1 a cada 100 a 250 mil indivíduos.

Dor noturna há vários meses, que não cede com analgésicos, associada a calafrios, sudorese, é sinal comum dessa infecção. Nessa hora, vá se consultar com um especialista.

Alguns fatores podem favorecer essa condição são a diabetes, uso de corticoides, punção intravenosa e infecções prévias nos tratos urinário, respiratório, digestivo etc.

Exames de imagem podem identificar a inflamação, mas é o médico que vai buscar a identificação. A ressonância magnética continua sendo o padrão ouro para a demonstração radiológica dessa condição, com sensibilidade de 92% e especificidade de 96%, permitindo a visualização da extensão da infecção.

O diagnóstico e o tratamento precoces são essenciais para que o paciente tenha melhores chances de um bom desfecho. Mas muitas vezes são tardios, pois tende a apresentar manifestações inespecíficas e a febre muitas vezes está ausente.

Causa mais comum

A causa bacteriana mais comum de espondilodiscite na Europa é o Staphylococcus aureus, mas a espondilodiscite tuberculosa é o tipo mais comum em todo o mundo.

Eliminar a infecção

A espondilodiscite é altamente heterogênea em termos de gravidade, que depende, entre outros, da condição de saúde do paciente. Por ser altamente heterogênea, dificulta sua avaliação científica e a formulação de recomendações de tratamento.

O tratamento com antibióticos por seis semanas parece ser suficiente, mas há casos com indicações cirúrgicas.
Os objetivos do tratamento da espondilodiscite são eliminar a infecção, restaurar a funcionalidade da coluna e aliviar a dor. É tudo o que o paciente quer.

Falando em resumo

O objetivo desses nossos textos e artigos é tentar traduzir de uma maneira resumida e bem leve o que cada problema na coluna significa, para que você possa ter uma ideia geral e compreender. No caso da espondilodiscite, são tantos detalhes e possibilidades – variam caso a caso e é melhor a gente usar a boa e velha língua portuguesa para uma franca conversa paciente-médico.

Entre oses e ites, o médico sempre saberá o que indicar e como indicar.

Maçã: de Bandeira a Newton, do pecado à saúde

Quando se pensa em uma maçã, muita gente pode salivar, pensar em receitas deliciosas, de tortas a saladas, de doces a sucos, mas a fruta é muito mais do que uma potente forma de aguçar nosso paladar.

A fruta é, na verdade, um pseudofruto da macieira (Malus domestica), ou um fruto acessório, “um desenvolvimento de um tecido vegetal adjacente à flor que sustenta o fruto”, nos ensina tranquilamente a Wikipedia.

É uma fruta (ou fruto acessório) tão conhecida, que dela logo se lembra da passagem bíblica que refere-se ao “fruto proibido do Jardim do Éden”, onde Eva convenceu Adão a cair em tentação e comer a maçã. O casal, então, peca diante Deus.

Mas a versão original do texto cita apenas “fruto da Árvore do Conhecimento do bem e do mal”. “É uma citação genérica”, diz Jacyntho Brandão, professor de literatura grega da UFMG, para a revista Superinteressante. “Na Bíblia, usa-se uma palavra genérica que indica ‘pomo’, sugerindo uma fruta com forma de maçã, mas que também poderia ser uma pera, um figo ou qualquer outra com esse formato”.

Além disso, a tradução do latim pode ter contribuído para elevar a maçã à condição de “fruto proibido”: no idioma, a palavra “maçã” e “mal” são iguais, sendo malum tanto “uma maçã”, quanto “um mal, uma desgraça”.

Isaac Newton

A Royal Society, da Inglaterra, publicou há uma década o manuscrito do físico William Stukeley (1687-1765), colega de Isaac Newton, chamado “Memórias da Vida de Newton” (leia na íntegra aqui).

Nele, mais precisamente na página 43, uma nota de rodapé coloca no âmbito da verdade a história de que a queda de uma maçã teria ativado em Newton a descoberta da gravidade: “a queda de uma maçã desencadeia um raciocínio que conduziu à publicação dos ‘Principia Mathematica’, em 1687”. A tal maçã teria caído em 1666, ao lado de um Newton muito jovem, na sua aldeia natal, Grantham.

A história, para quem não sabe, é a seguinte: uma maçã cai da árvore onde descansava Isaac Newton (1642-1727). Ela bate em sua cabeça e, nesse preciso instante, faz-se luz na mente do jovem para desencadear o que viria a ser as leis da gravitação universal.

“A seguir ao almoço, como o tempo era cálido, fomos para o jardim beber chá à sombra de umas macieiras. Estávamos só ele e eu. Entre outras coisas, ele disse-me que fora numa situação idêntica que, em tempos, a noção de gravitação lhe tinha vindo à mente. Por que é que uma maçã cai sempre perpendicularmente ao chão, pensara para si próprio, incitado pela queda de uma maçã enquanto se encontrava sentado numa disposição contemplativa. Por que não se desloca lateralmente, ou para cima, mas constantemente em direção ao centro da Terra? É óbvio que a razão é que a maçã é atraída pela Terra. Deve existir uma força de atração na matéria”, descreve o manuscrito, sem especificar que a fruta tenha caído na cabeça de Newton.

Poesia

Não se sabe ao certo se uma maçã caiu ou não na cabeça do modernista Manuel Bandeira, brasileiríssimo de Recife, Pernambuco.

Mas o poeta (e crítico, e professor, e tradutor) Bandeira descreveu a saborosa fruta assim (ou vá aqui):
“Por um lado te vejo como um seio murcho
pelo outro como um ventre cujo umbigo pende ainda o cordão placentário

És vermelha como o amor divino

Dentro de ti em pequenas pevides
Palpita a vida prodigiosa
Infinitamente

E quedas tão simples
Ao lado de um talher
Num quarto pobre de hotel”

O poema de Manuel Bandeira, tão delicioso quanto a própria fruta, mostra na maçã “palpita a vida prodigiosa”.
O poeta não poderia estar mais certo.

Benefícios

A maçã é bem conhecida como o símbolo do pecado da “tentação” na Bíblia. Mas, o que ela oferece no cenário científico?

Entre várias propriedades nutricionais, a maçã é rica em pectina. Essa fibra, facilmente solúvel em água, tem diversas atuações no nosso trato digestório:

✅ Para aqueles com constipação intestinal, a pectina facilita a hidratação do bolo fecal;
✅ Diminui a absorção de gorduras e açúcares, ajudando no controle do colesterol e da glicose no sangue (boa pro coração e para evitar o diabetes!);
✅ Pode ser considerado um prebiótico, por ser consumido por bactérias protetoras do intestino;
✅ Adjuvante no emagrecimento.

Ela também melhora a função cerebral, retarda o envelhecimento, previne o câncer, segundo a revista científica Public Health Nutrition (leia aqui o original), combate a asma e até ajuda na prevenção de cáries.

Além de tudo, a maçã contribui para a saúde dos nossos ossos. A maçã é tudo de bom! Vai uma mordida aí?

A poesia, o saber e a cirurgia

Toda profissão tem suas peculiaridades e curiosidades. E dentro de toda profissão, cada profissional tem suas peculiaridades e modo de agir. O que deve ser padrão é o trato ético e socialmente correto em cada atuação, seja do motorista de ônibus ao jornalista, seja do limpador de janelas ao advogado, seja do gari ao médico. Uma sociedade é formada de todas essas profissões e se uma delas faltar, há um desbalanceamento e a comunidade pode sofrer consequências inimagináveis.

Na medicina, como em qualquer outra, não é diferente. Para você atuar bem, é preciso, primeiramente, preparo, força de vontade, dedicação e entender seus próprios métodos e rituais pessoais.

Eu, como qualquer profissional de qualquer profissão, me dedico, estudo, me atualizo e procuro atuar com ética e respeito. Mas isso pode ser visto como “o básico”, o que é plenamente compreensível.

Nos anos e anos de profissão, além da dedicação, estudo e atualizações, busco entender e criar procedimentos que vão melhorar ainda mais a minha atuação e o atendimento aos meus pacientes.

Por isso, trago uma certeza: na nossa ótica, a cirurgia não começa na hora que o paciente é anestesiado e que pego o bisturi e faço a primeira ação. Não, não é assim que vejo a cirurgia. A cirurgia começa quando a gente atende o paciente, depois quando pega os exames, e depois faz a análise pré-operatória, que é algo fundamental.

Nessa análise, a gente avalia como paciente dorme, como ele se alimenta, problemas que ele tem de saúde, reposições de vitaminas, de proteínas que são importantes para a cicatrização, essa análise e mais avaliações de médicos cardiologistas, médicos anestesistas, ou outros mais que a gente precise, tudo isso vai se juntar para ter um bom resultado na operação e no pós-operatório.

Porque quem vai ser operado é o paciente e não a enfermidade que ele possui. É o paciente que precisa de cuidado e atenção – e o paciente tem sua profissão da qual a sociedade não pode prescindir.

Cirurgia e poesia

Para muita gente parece óbvio, mas vejo tudo como um poema. O poeta sabe que vai escrever sobre o que lhe inspirou. Mas ele precisa fazer várias análises: de ritmo, das palavras que nossa língua tem à disposição, do papel que vai receber os versos (e se for uma canção?), de como vai ser lido, se vai rimar, se vai ser construtivista, se vai instigar, se vai acalmar, qual o tamanho e a extensão. Ninguém começa algo em sua profissão sem saber como quer terminar.

Nós precisamos ver nossa profissão como poesia e trabalhar com o máximo de informação que temos à disposição – quantas palavras há na nossa língua para servir ao poeta? Todas as análises médicas disponíveis vão ajudar os médicos envolvidos a realizar a melhor cirurgia e fazer o paciente voltar a sorrir ou ter o máximo de qualidade de vida possível.

Pode parecer uma comparação pouco usual. Mas a leveza da poesia se equipara à leveza de ver os pacientes caminhando para uma vida com menos obstáculos que as enfermidades lhes impõem.

Ou como diz o professor da UFRJ, Manuel Antônio de Castro, “a palavra grega ‘poíesis’, que gerou a palavra portuguesa ‘poesia’, em sentido amplo, não diz originariamente uma atividade cultural entre outras. Na e pela ‘poíesis’ o próprio real se destina no homem para que este o realize numa plenitude que o próprio real por si não realiza. Na e pela ‘poíesis’, o próprio real se constitui como linguagem, mundo, verdade, sentido, tempo e história, em qualquer cultura”.

E citando o filósofo alemão Martin Heidegger, explica que “também a phýsis, o surgir e elevar-se por si mesmo, é uma pro-dução, é poíesis. A phýsis é até a máxima poíesis. Pois o vigente da phýsis tem em si mesmo o eclodir da produção. Enquanto o que é pro-duzido pelo artesanato e pela arte, por exemplo, o cálice de prata, não possui o eclodir da pro-dução em si mesmo, mas em um outro, no artesão e no artista”.

“Mas o artista só tem em si a poíesis na medida em que ele é o que ele é no vigorar do ser. A obra de arte opera na medida em que ela contém em si a poíesis, o vigorar da phýsis enquanto mediação, medida, linguagem”: façamos, então, em cada profissão, no nosso dia a dia, vigorar o máximo da nossa linguagem do saber.

Sarcopenia: a preocupante perda de massa muscular

No final de 2021, uma matéria do jornal esportivo Lance! mostrou a história de Andreia Tokutake, vice-campeã sul-americana de fisiculturismo no Peru, Argentina e Brasil, na categoria Wellness Sênior 45+.

Para muita gente, ser atleta de alta performance só é possível se começar cedo, na mais tenra idade. Mas Tokutake é mais um exemplo, entre tantos, de que não é bem assim.

Segundo o jornal esportivo, ela “iniciou a carreira esportiva aos 40 anos, para se curar de uma depressão. Hoje, aos 45, ela não apenas superou a mazela, como acumula pódios em competições pelo continente” (leia a matéria completa aqui).

“O fisiculturismo, para mim, é uma recuperação diária, é a busca incessante pela minha melhor versão. Graças a este esporte a minha autoestima aumentou e eu pude perceber que, na vida, nunca é tarde para começar, seja qual for o desafio”, disse ao jornal.

E a atleta tem toda razão. Nunca é tarde para começar – ou recomeçar. Aliás, é recomendável que se comece a movimentar o corpo, não importa em que momento da vida. O importante e colocar-se em movimento.

Caso contrário, com a idade avançando, a pessoa pode encontrar a sarcopenia, palavra que vem do grego e significa “perda de carne”. Em outras palavras, é a diminuição da massa muscular no corpo.

Sarcopenia

Envelhecer é maravilhoso, mas requer cuidados. E a sarcopenia é um dos pontos de atenção.

A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) define a sarcopenia como “uma doença caracterizada pela acelerada perda de massa e força muscular com redução do desempenho físico nos indivíduos. Essa doença é mais comum em pessoas com mais de 60 anos, o que pode gerar dificuldade para realizar atividades rotineiras, como caminhar e subir escadas”.

Ainda nas palavras da SBGG, “para prevenir ou tratar a sarcopenia é ideal a combinação de exercícios físicos resistidos e uma nutrição adequada”.

A SBGG criou até um manual de recomendações para diagnóstico e tratamento da sarcopenia no Brasil. (clique aqui)

A prevalência de sarcopenia tem grande variação dependendo da faixa etária, do sexo, do cenário clínico e da definição utilizada, diz o manual. A prevalência em indivíduos com idade entre 60 e 70 anos varia de 5% a 13%; enquanto entre os idosos com mais de 80 anos pode oscilar de 11% a 50%.

“Na comunidade, a prevalência de sarcopenia em homens é de 11% e em mulheres é de 9%. Entre os idosos institucionalizados, a prevalência é de 51% e 31% em homens e mulheres, respectivamente”, informa.

Infelizmente, “apesar de ser reconhecida como uma doença muscular desde 2016, o diagnóstico da sarcopenia raramente é feito ou documentado nos prontuários médicos. Em pesquisa recente realizada pela SBGG, cerca de 30% dos médicos não especialistas em geriatria declararam que não sabem fazer o diagnóstico da sarcopenia”, diz a SBGG.

Principais Causas

A idade é a principal causa, mas a má nutrição, com baixa ingestão energética ou proteica, deficiência de nutrientes, má-absorção e condições gastrointestinais, inatividade e sedentarismo e baixo nível de atividade física, também são causas.

Doenças renais, hepáticas, osteoarticulares, neurológicas, oncológicas, cardiorrespiratórias e osteoarticulares também influenciam.

Um caso

Uma senhora de 76 anos, obesa, queixando-se de dor de coluna. No final, ela disse: “doutor Douglas, eu tenho muito medo de cair”.

Pois bem, muitas vezes, por trás desse medo de cair, o que existe é uma insuficiência muscular. Muitos obesos têm sarcopenia. Eles estão pesados, mas a musculatura está fraca. E uma musculatura fraca realmente propicia chances de desequilíbrio e queda.

E caindo pode ter fratura e às vezes essa queda pode ter consequências graves.

A dica é sempre consultar o ortopedista, fazer uma análise biométrica, ver se a relação gordura e massa muscular está adequada e se não estiver é preciso tratar.

Exercícios e alimentação

Começar a se exercitar é uma ótima maneira de prevenção, e há exercícios resistidos específicos. De fato, não é preciso virar atleta de alto rendimento, como a fisiculturista Tokutake. Mas mexer o corpo ajuda bastante.

“A realização de um treinamento progressivo de exercícios resistidos é o que temos com maior nível de evidência científica para melhorar a massa, a força muscular e o desempenho físico”, diz a SBGG.

E é preciso ficar atento à alimentação. No Brasil, apenas 38% dos idosos consomem frequentemente alimentos proteicos. Além disso, a prevalência de baixo consumo proteico alcança 21,5%, 46,7% ou 70,8% quando o ponto de corte adotado é 0,8 g/kg/dia, 1,0 g/kg/dia ou 1,2 g/kg/dia, respectivamente.

A SBGG diz que a recomendação diária de consumo proteico para um idoso saudável no intuito de evitar a sarcopenia varia de 1,0 e 1,2 g/kg/dia. Nos casos de tratamento da sarcopenia recomenda-se o consumo de 1,2 a 1,5 g/kg/dia.
Tanto na prevenção como no tratamento, além da quantidade ingerida, outro ponto fundamental é a distribuição diária do consumo proteico. A recomendação é que se alcance 25 a 30 gramas em cada uma das três principais refeições, afirma o manual.

“A suplementação nutricional é indicada nos casos em que a ingesta calórica seja menor que 70% das necessidades diárias. Para idosos com desnutrição ou em risco de desnutrição deve-se fornecer pelo menos 400 kcal/dia, incluindo 30 g ou mais de proteína/dia”, ensina a SBGG.

Mexendo o esqueleto

Envelhecer com qualidade de vida é o sonho de qualquer pessoa. Normalmente, a gente só se preocupa com isso quando chega a hora, quando o corpo pede socorro, ou quando parece tarde demais.

Como diz a nossa fisiculturista (que ainda é jovem, é verdade), nunca é tarde para começar. Bora mexer o esqueleto?