Um novo olhar para a dor

Dor. Quem nunca sentiu dor? Dores físicas, dores do coração, dores da alma, dores morais. Arrependimentos. Coração partido, um amor que se foi e não queríamos perder. A dor da perda de alguém querido. A dor de ver seu time sucumbir numa final diante do maior rival. A dor de perder um emprego e de repente se encontrar desamparado. A dor de ver seu semelhante não ter o que comer. A dor de ver alguém da sua vida se perder para as drogas.

A lista pode se desenrolar quase que infinitamente e para todas elas, talvez, haja algum tipo de cura, seja espiritual, seja psicológica, seja pelo esporte, seja pelo autoconhecimento, seja com a medicina.

A dor faz parte da nossa vida. E nós médicos convivemos com ela, especialmente por conta de nossos pacientes. O médico é talhado para estudar a doença, buscar uma solução que elimine aquela enfermidade do corpo do paciente, mas muitas vezes esquece de tratar do paciente, que afinal é uma pessoa que sente dor.

A dor no foco

Recentemente, o “Tratado de Dor Musculoesquelética”, publicado em 2019, pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), mostrou o quanto é importante essa diferenciação.

O presidente da SBOT, doutor Moisés Cohen, médico há 40 anos e professor titular do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), escreveu: “historicamente a dor sempre foi vista pelos médicos muito mais como um sinal de alerta do que como uma síndrome a ser tratada. Nas últimas décadas, porém, com o surgimento de diversas linhas de pesquisas a dor passou a ser considerada não mais como um sintoma natural de determinadas doenças ou decorrente de quadros pós-cirúrgicos, mas como uma entidade de tratamento específico visando a qualidade de vida do paciente. Na ortopedia e traumatologia, muito embora nos deparemos diariamente com quadros de dor – sobretudo dor crônica – raramente nos preocupávamos em tratá-la, preferindo encaminhar nossos pacientes para outros especialistas. A falta de formação específica e, talvez, de informações sobre este importante campo da pesquisa científica deixou-nos à margem de uma área de atuação das mais importantes”.

A realidade, como ele bem lembrou na introdução do “Tratado…”, passa a incluir questões relacionadas à dor no exame para obtenção do TEOT (Título de Especialista em Ortopedia e Traumatologia).

“Ao assimilar o conceito de tratamento holístico do paciente – que necessariamente inclui o tratamento da dor musculoesquelética – a Ortopedia poderá desenvolver-se ainda mais como especialidade médica, formar melhor seus especialistas e ampliar naturalmente sua área de atuação”, ele escreveu.

Comitê da dor

Foi assim que nasceu o Comitê de Dor da SBOT que já possui muitos colegas imbuídos em colocar a dor no foco importante de atenção: “epidemiologia e fisiopatologia da dor, classificações das síndromes mais comuns, analgesia pós-operatória, fármacos de última geração, medicina regenerativa e tratamento intervencionista, exames complementares e estimulações elétricas, entre outras abordagens terapêuticas fundamentais”, lembra o doutor Cohen.

O Comitê tem a presidência do doutor Ricardo Kobayashi, ortopedista, clínico de dor, especialista em tratamento por ondas de choque.
Como ele mesmo lembra em seu site, “as dores atrapalham o humor, sono, trabalho, lazer e a qualidade de vida das pessoas”. E ele tem toda a razão. Tratar a dor é devolver qualidade de vida.

Mas o que é a dor?

Vou recorrer mais uma vez ao “Tratado”: “a dor é uma experiência presente na vida da maior parte dos seres humanos, pois constitui um mecanismo fisiológico de proteção que possibilita a detecção de estímulos físicos e químicos nocivos”.

Ou seja, a dor nos permite saber que há algo errado.

Já escrevi uma vez, ao falar sobre Bloqueios, que o poeta diria que “toda dor é silenciosa”, sabendo que a dor de cada um só conhece quem a sente. Mas ninguém precisa viver com dor. Não a física, pelo menos. As do coração e as da alma fazem parte da vida e da nossa evolução como pessoas.

Fernando Pessoa até escreveu que “o poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, na dor lida sentem bem, não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm”.

Vamos tratar

Ninguém quer sentir nenhuma dor, mas a física é algo que nos causa temor. É por isso que o posicionamento da SBOT é tão importante.
Se há uma dor, há um problema. Aqui no Ibedor não podemos tratar todas as dores do mundo – e há, por certo, tantas dores quanto belezas por aí. Mas aquelas que estão ao nosso alcance, vamos tratar.

Ultrassonografia: da guerra a uma solução de paz

Na década de 1930, não era fácil o diagnóstico de tumores cerebrais. A guerra na Europa se avizinhava e o neurologista austríaco Karl Theodore Dussik, filho do dentista de mesmo nome, via recursos que já eram escassos se tornarem de ainda mais difícil acesso.

Enquanto a tecnologia de ultrassom estava sendo empregada com sucesso para a detecção de cardumes de peixes e barcos e logo sendo implantada em atividades bélicas marítimas, Dussik começou a estudar o uso do ultrassom no diagnóstico médico.

A ferramenta era utilizada apenas de forma terapêutica pela medicina, naquele momento, e não com o intuito de “ver por dentro”. Durante a Segunda Grande Guerra, ele se aprofundou nos estudos e escreveu o artigo “Uber die moglichkeit hochfrequente mechanische schwingungen als diagnostisches hilfsmittel zu verwerten” (ou “Sobre a possibilidade de usar ondas de ultrassom como auxiliar de diagnóstico”).

Foi ali que Dussik apresentou sua teoria sobre geração, transmissão e efeitos do ultrassom, e a possibilidade de diferenciar diferentes tecidos do corpo pela transmissão do ultrassom através desses mesmos tecidos. As primeiras imagens de ultrassom foram publicadas em 1947.

Dussik se tornou “o pai da ultrassonografia” e, embora a técnica tenha sido utilizada em diversas frentes, inclusive na guerra, seu estudo diagnóstico revolucionou a medicina.

A ultrassonografia hoje

Ela é um exame de imagem bastante conhecido nos dias atuais. É feita com um transdutor, que o médico encosta na pele do paciente e “enxerga por dentro do seu corpo”.

Simples, indolor, rápida, sem efeitos colaterais, acessível e eficiente, a ultrassonografia permite ao médico investigar o problema a partir de imagens precisas. O único “inconveniente”, por assim dizer, é o gel que o médico precisa espalhar na pele para ajudar o transdutor. Mas nada que um papel absorvente não resolva depois.

Pode ser usada para uma primeira avaliação de órgãos internos, bem como, no nosso caso, no estudo de lesões ortopédicas – ligamentos, cartilagens, tecidos etc.

Essa ferramenta, que antes era apenas diagnóstica, hoje é modernamente utilizada como guia pra diversos procedimentos. Por exemplo, para fazer uma infiltração de fármaco, com o intuito de tratar uma bursite no ombro, uma tendinite no cotovelo, uma artrose no quadril ou no joelho, ou um esporão no calcâneo.

Como funciona

A lógica é a mesma de décadas atrás, dos tempos de Dussik: o aparelho emite ondas sonoras e seu eco emitido pelo nosso corpo (ao “devolver” essas ondas) é transformado em impulsos elétricos para serem lidos pela máquina externa.

Só ondas sonoras passam pelo nosso corpo e, é bom lembrar, somos impactados o tempo todo, em qualquer lugar, por ondas sonoras. Elas são inofensivas.

Nada de guerra

Claro que a medicina não é uma guerra. Ao contrário de submarinos equipados com super e precisos radares (quem não viu o ótimo “Caçada Ao Outubro Vermelho”, suspense de ação com Sean Connery, de 1990?) feitos especialmente para identificar qualquer embarcação inimiga, nossa ultrassonografia é uma solução pacífica para identificar eventuais doenças inimigas e que acabam por nos ensinar muito.

Ela é um passo importante para grandes conquistas.