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Entrevista: Drica Lo Bianco – o balé, a arte, o esporte, a terapia

Drica Lo Bianco é coreógrafa e bailarina clássica, uma profissão que enche os olhos e sonhos de crianças pelo mundo todo.

Drica é formada pela Escola Municipal de Bailados da Cidade de São Paulo em técnica clássica (1982 a 1992), História da Arte (1990), História da Dança (1991) e Técnica Moderna (1990 a 1992). O currículo vai além: Estúdio de Artes Kiróv; Royal Academy of Dancing;, com Aracy Evans; Centro Cultural da Cidade de São Paulo, em Técnica Clássica para profissionais; terminologia da dança e anti-ginastica e consciência corporal; especialização em período romântico do Ballet, pela técnica do teatro Alla Escalla; e treinamento e vivencia em técnica de Martha Graham pela Cia Emproart de Dança.

Mas a beleza plástica dessa arte em movimento esconde os bastidores de muito esforço, dedicação, treinamentos e lesões. Com tantos anos de comprometimento, Drica sabe do que está falando.

Hoje, ela é professora e pesquisadora em estudos de técnicas de dança aplicadas ao físico do indivíduo Down, e desenvolvedora do método Vesta de ensino (dança para o desenvolvimento holístico do indivíduo). Segundo ela, a dança é para todos.

“Vejo muitas pessoas que dizem ‘ah, eu não sei dançar’. Eu acredito que toda pessoa que tenha capacidade de se locomover, tem a capacidade de dançar”, diz Lo Bianco. “Ainda que não tenha a capacidade de locomoção, o domínio total do corpo, tem a capacidade de dançar. Mesmo que só com os olhos, mesmo que só com a respiração, com a pulsação cardíaca, dá para fazer uma dança”.

“A gente nasce e o primeiro impulso natural é o ‘balançar em ritmo’. Ainda antes, na gestação, a gente balança em ritmo cardíaco. Uma das primeiras reações do bebê, quando começa a ter o domínio do corpo, é balançar no ritmo da música, sentir o pulsar cardíaco da mãe. É da natureza humana o dançar. E dança é a arte sem instrumento. Nosso único instrumento é a apropriação física. Então, qualquer pessoa de mente sã e consciente tem a capacidade de dançar. A dança é a arte mais generosa, não importa para quem. Qualquer ser humano pode dançar. A dança não exige nada além do corpo e da consciência”, ensina.

Mais do que isso, dança é arte, é esporte, é autoconhecimento, é um ótimo instrumento para manter o corpo, especialmente musculatura, ossos e coluna, e a mente saudáveis – se o interessado tomar cuidados e tiver perseverança.

O balé é uma arte, mas também “um esporte” que exige bastante do corpo, músculos, condicionamento físico, mente e equilíbrio. A dança é um exercício aconselhável a partir de qual idade e quais os conselhos você daria para mães e pais, crianças e adolescentes que gostariam de começar? Há idade para começar a praticar?

A dança é, sim, uma arte. E deveria ser uma arte com o maior acesso, especialmente nas escolas, desde muito cedo. Deveria ser incorporada como matéria escolar, mesmo que não obrigatória. Quem dança tem um entendimento maior do corpo. E é bem legal para a saúde. Como “um esporte” é mais para um bailarino profissional, de alta performance.

O conselho para os pais é investigar antes de colocar seus filhos em aulas, que dança é essa e que profissional é esse? Hoje, muita gente se forma em faculdade de dança sem ter conhecimento de balé clássico. Hoje também ser formado em educação física capacita o profissional a dar aula. Mas o balé exige o estudo dessa arte, o entendimento dessa linguagem física. A partir dos quatro anos de idade aproximadamente, a criança já tem um entendimento da musicalidade, uma interpretação, compreensão da música (se é uma música triste, se é feliz). Esse é um período introdutório da dança. A posição do balé clássico não é uma posição natural para a anatomia humana. Nós temos a posição que chamamos de en dehors (que pode ser traduzida do francês literalmente por “para fora”), onde de forma parada, a base formada pelos pés (encostados calcanhar em calcanhar), com os joelhos voltados para fora e a bacia aberta o suficiente para ser virados (os joelhos) para fora. Qual o objetivo? Trazer um alongamento postural da coluna. Você vai alongar sua lombar. E se projeta o tórax para frente e para cima, alongando a cervical. É uma posição que anatomicamente não é natural para um ser humano.

Então, uma criança em desenvolvimento ósseo e muscular não tem força suficiente para sustentar essa posição, de modo que começam a nascer as lesões, as pisadas tortas, com bacia, com menisco, com coluna etc. Então, para mim, a idade ideal para começar a aprender balé é a partir de 6 a 7 anos, idade onde se começa a trabalhar a força muscular.

Quais são as contusões mais frequentes para quem pratica profissionalmente (ou apenas por diversão) o balé e como evita-las? Existem exercícios específicos de alongamento para a prática ou dependem de cada corpo, de cada exigência de passo?

Bailarinos de alta performance têm a capacidade de fazer as mais loucas lesões possíveis e imagináveis. As mais frequentes para bailarinas são nos tendões e meniscos. Também são comuns microfraturas nos pés. A própria sapatilha de ponta e o estresse causam isso. A aula de balé tem uma sequência muito bem elaborada e planejada para alongamentos, para fazer esse trabalho lentamente. Há alguns professores que enxergam cada corpo individualmente. O bom professor tem que entender o corpo de cada aluno. Não adianta brigar com o corpo, é encontrar nele o que tem de mais rico e respeitar o corpo.

Quais os maiores benefícios da prática do balé?

Eu tenho um olhar para a dança que transcende a arte, transcende esse aspecto de um esporte. A dança consegue tratar desde o processo digestivo de uma pessoa à psicomotricidade, com trabalho muscular, da postura, agilidade, reflexo, respiração, condicionamento físico, o campo cognitivo, a memória, o humor, a interação humana, o relacionamento… a dança é um excelente preventivo para o Mal de Alzheimer.

Na nossa sociedade, o balé é visto erroneamente como uma dança específica para o sexo feminino, mas é claro que o sexo masculino pode e deve praticar. Existe exercícios preparatórios diferentes para homens e mulheres? Além disso, existe um padrão para prática ou pessoas com excesso de peso, altas, baixas, com limitações corporais etc. podem praticar?

A aula de balé tem uma sequência, que começa na barra, com passos de aquecimento e alongamento. Na barra, a gente prepara o corpo. E depois seguimos para as diagonais, com caminhadas, saltos longos, que exploram um espaço maior. Todos esses passos são executados pelos homens e pelas mulheres. Historicamente, a mulher sempre foi a protagonista do balé, embora o balé tenha começado com os homens. Os movimentos preparatórios são os mesmos, mas se exige mais dos bailarinos os grandes saltos e se exige mais das bailarinas o equilíbrio e o alongamento. Para os bailarinos profissionais, a aula é parte do exercício diário.

Os profissionais treinam para além das aulas. Por exemplo, numa aula se treina a musculatura abdominal, a musculatura de costas. Mas quando termina aula, é muito comum ver as bailarinas no chão fazendo sequências e sequências de abdominais, e os bailarinos fazendo sequências e sequências de flexão de braços. Ou força na perna, para impulso, alongamento… Para os não-profissionais, o balé é visto como uma arte ou como exercício e vale para qualquer pessoa, desde que não tenha nenhuma patologia impeditiva.

É claro que um corpo mais esbelto é um facilitador, mas uma pessoa que tem um volume de corpo maior não é um impeditivo, embora os resultados possam ser diferentes. A musculatura do pé pode não aguentar saltos muito longos, pode não estar preparada para receber toda a sobrecarga de peso. Mas a aula é muito positiva para qualquer corpo. Eu trabalho com dança aplicada ao físico down. E com eles eu não uso a técnica do balé clássico, porque eles têm uma dinâmica física diferente e muito particular, e é preciso observar cada corpo atentamente para não ocasionar lesões.

Qual a importância da alimentação para a prática regular do balé?
Bailarinos precisam se alimentar bem, porque existe uma queima de energia muito grande. É como um atleta de alta performance. No dia que você não tem uma boa alimentação, você não tem um bom treino. No dia que você não dorme bem, você não faz um bom treino. No caso de bailarinos profissionais, é preciso ter um corpo esbelto. Como toda atividade que depende do corpo, exige-se uma boa alimentação, rica em proteínas, em carboidratos, em fibras, uma alimentação muito saudável. É um cuidado que se aprende por necessidade para uma produção física com mais excelência.

Escrito por

Dr. Douglas Santos

Ortopedista especialista em coluna
CRM: 117988

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