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A poesia, o saber e a cirurgia

Toda profissão tem suas peculiaridades e curiosidades. E dentro de toda profissão, cada profissional tem suas peculiaridades e modo de agir. O que deve ser padrão é o trato ético e socialmente correto em cada atuação, seja do motorista de ônibus ao jornalista, seja do limpador de janelas ao advogado, seja do gari ao médico. Uma sociedade é formada de todas essas profissões e se uma delas faltar, há um desbalanceamento e a comunidade pode sofrer consequências inimagináveis.

Na medicina, como em qualquer outra, não é diferente. Para você atuar bem, é preciso, primeiramente, preparo, força de vontade, dedicação e entender seus próprios métodos e rituais pessoais.

Eu, como qualquer profissional de qualquer profissão, me dedico, estudo, me atualizo e procuro atuar com ética e respeito. Mas isso pode ser visto como “o básico”, o que é plenamente compreensível.

Nos anos e anos de profissão, além da dedicação, estudo e atualizações, busco entender e criar procedimentos que vão melhorar ainda mais a minha atuação e o atendimento aos meus pacientes.

Por isso, trago uma certeza: na nossa ótica, a cirurgia não começa na hora que o paciente é anestesiado e que pego o bisturi e faço a primeira ação. Não, não é assim que vejo a cirurgia. A cirurgia começa quando a gente atende o paciente, depois quando pega os exames, e depois faz a análise pré-operatória, que é algo fundamental.

Nessa análise, a gente avalia como paciente dorme, como ele se alimenta, problemas que ele tem de saúde, reposições de vitaminas, de proteínas que são importantes para a cicatrização, essa análise e mais avaliações de médicos cardiologistas, médicos anestesistas, ou outros mais que a gente precise, tudo isso vai se juntar para ter um bom resultado na operação e no pós-operatório.

Porque quem vai ser operado é o paciente e não a enfermidade que ele possui. É o paciente que precisa de cuidado e atenção – e o paciente tem sua profissão da qual a sociedade não pode prescindir.

Cirurgia e poesia

Para muita gente parece óbvio, mas vejo tudo como um poema. O poeta sabe que vai escrever sobre o que lhe inspirou. Mas ele precisa fazer várias análises: de ritmo, das palavras que nossa língua tem à disposição, do papel que vai receber os versos (e se for uma canção?), de como vai ser lido, se vai rimar, se vai ser construtivista, se vai instigar, se vai acalmar, qual o tamanho e a extensão. Ninguém começa algo em sua profissão sem saber como quer terminar.

Nós precisamos ver nossa profissão como poesia e trabalhar com o máximo de informação que temos à disposição – quantas palavras há na nossa língua para servir ao poeta? Todas as análises médicas disponíveis vão ajudar os médicos envolvidos a realizar a melhor cirurgia e fazer o paciente voltar a sorrir ou ter o máximo de qualidade de vida possível.

Pode parecer uma comparação pouco usual. Mas a leveza da poesia se equipara à leveza de ver os pacientes caminhando para uma vida com menos obstáculos que as enfermidades lhes impõem.

Ou como diz o professor da UFRJ, Manuel Antônio de Castro, “a palavra grega ‘poíesis’, que gerou a palavra portuguesa ‘poesia’, em sentido amplo, não diz originariamente uma atividade cultural entre outras. Na e pela ‘poíesis’ o próprio real se destina no homem para que este o realize numa plenitude que o próprio real por si não realiza. Na e pela ‘poíesis’, o próprio real se constitui como linguagem, mundo, verdade, sentido, tempo e história, em qualquer cultura”.

E citando o filósofo alemão Martin Heidegger, explica que “também a phýsis, o surgir e elevar-se por si mesmo, é uma pro-dução, é poíesis. A phýsis é até a máxima poíesis. Pois o vigente da phýsis tem em si mesmo o eclodir da produção. Enquanto o que é pro-duzido pelo artesanato e pela arte, por exemplo, o cálice de prata, não possui o eclodir da pro-dução em si mesmo, mas em um outro, no artesão e no artista”.

“Mas o artista só tem em si a poíesis na medida em que ele é o que ele é no vigorar do ser. A obra de arte opera na medida em que ela contém em si a poíesis, o vigorar da phýsis enquanto mediação, medida, linguagem”: façamos, então, em cada profissão, no nosso dia a dia, vigorar o máximo da nossa linguagem do saber.

Escrito por

Dr. Douglas Santos

Ortopedista especialista em coluna
CRM: 117988

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